quarta-feira, 29 de abril de 2020

Desarmonia

Eu escrevi esse conto, mais ou menos, em abril de 2019, e pensei em publicá-lo em livro. À época, me pareceu que traria mais ônus do que bônus, então, deixei estar. Agora chegou a hora de deixá-lo livre.

Desarmonia

- "Credo, que música chata! Vou trocar para alguma do Queen."

Foi assim que saímos das músicas da moda, que estavam tocando há horas, por algo que gostávamos mais. No exato momento em que ele disse essa frase, eu demorei mais o olhar nele. Na curva suave do pescoço, nas linhas do bíceps, no cacheado fofo da barba... eu nunca o tinha visto como homem, mas naquele momento, ele se tornou O CARA. Talvez fosse o sono falando mais alto, ou o calor insuportável me fazendo alucinar, mas tive a certeza de que a partir daquele momento as coisas iriam mudar para nós. Para mim, pelo menos. Engraçado como o coração nos prega peças, e faz de um retumbante “nada” um absoluto e profundo “tudo”. Enquanto eu o olhava, de longe, mexer no notebook, concentrado, "Somebody to love" me encheu os ouvidos, e suspirei, tonta. Eu tinha achado aquele que seria o motivo dos meus mais doces pensamentos. Pelo menos era o que eu achava.

Ele voltou e eu sorria, feito boba, como se tivesse fumado um baseado dos bons. Tudo nele resplandecia, luzia com os raios dourados do fim de tarde. Como se o sol, para seu próprio deleite, resolvesse banhar aquele corpo com sua mais pura luz. Eu queria tocá-lo, abraça-lo, fazê-lo meu. A partir daquele dia eu pensava nele dia e noite.Tentei

 me aproximar, me fazer notar. Enviava e postava as músicas de bandas que gostávamos para que ele visse. Aconcheguei seus medos em meu colo e o ninava por longas e insônes madrugadas enquanto conversávamos via internet, tão distantes e tão próximos. Eu o peguei pela mão e o guiei pelos caminhos que queria percorrer, sem perceber que este caminho era única e exclusivamente meu.

Em uma tarde de sábado, enquanto saudávamos à rainha em um café e nos divertíamos, percebi o quanto o queria para mim, para sempre... engraçado o que os contos de fadas fazem com a gente, nos levando a crer que o “para sempre” existe. Lembro que os versos “crazy little thing called love” tocavam no bar quando eu declarei meus sentimentos. Era tudo lindo, mágico, envolto por uma atmosfera de música e amor. Ledo engano... ele se levantou e saiu andando, sem rumo, para longe de mim. Cortou qualquer tipo de contato.Fiquei

 sem entender o que transformou a nossa doce melodia em desarmonia. Nunca mais o vi, nunca mais o toquei, nunca mais meu coração teve paz. Tudo o que ficou foi uma doce lembrança de quando nossas conversas fluíam para todos os enredos e tramas, e de como nossos sonhos e desejos convergiam, feito curvas de um rio que confluíam rumo ao mar. Tudo o que me restou foi um eterno gosto amargo de derrota, como o que um café ruim, mal feito, deixa na boca.

Penso sempre nele, e em como eu achei e quis que tudo fosse diferente, e sempre que sua imagem me vem à mente, eu escuto, ao longo, um sussurro, tão baixo que mal se faz notar, dizendo You don't know what you mean to me...




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Love of my life, you've hurt me
You've broken my heart and now you leave me