As bolas de algodão passeavam por sua face. Aos poucos, revelava seu rosto real, enquanto a cara maquiagem tingia a bolota branca e macia em sua mão.
Assim, de cabelos presos e rosto limpo, lembrava apenas vagamente a mulher que era durante o dia. As bolsas arroxeadas sob os olhos eram constantes agora. Era necessário muito corretivo e pó para deixar a pele apresentável.
Andreia sentia o peso da idade. Seus 32 anos, cheios de baladas e vida noturna, além da constante cara fechada, faziam-lhe rugas próximas aos olhos. As mãos, antes macias, começavam a apresentar algumas manchas e aspereza.
Olhou-se francamente no espelho, e não gostou do que viu. Não se via na mulher madura que o reflexo lhe mostrava. Não conseguia se enxergar sem as roupas de grife, a maquiagem impecável e todos os adereços luxuosos que ostentava. Assim, despida de tudo o que lhe compunha, era somente mais uma, e ela gostava mesmo era do destaque.
Deitou, mas não conseguiu dormir. Rolava pela cama vazia, pensando em sua vida. Mais de 30 anos, morando com a mãe, em um emprego que não via muita evolução, sem um namorado fixo e sem nada que fosse seu de verdade, além das dívidas em seu nome dos cartões de crédito.
Comparava-se às amigas. Uma casada, mãe de dois filhos, e realizada em sua profissão, e outra com uma carreira promissora fora do país. Nunca imaginou que seria a última a estabelecer-se em algo. Nascera para protagonizar, não para papéis secundários, e isso lhe doía ferozmente. Tornava-se cada dia mais amarga, cada vez mais refém de suas próprias amarras, algemada a uma projeção irreal que não conseguia alcançar.
Levantava cedo, bem mais do que o necessário, escolhia uma roupa caríssima que ainda estava pagando, maquiava-se com asseio, e escondia, embaixo de camadas e mais camadas de corretivo e base, toda a frustração de não ser quem sonhava que era. Terminava a fantasia com uma pose de vilã, destilando seu veneno e mau humor a todos que não possuíam significância em sua escala social. Simpatia era só para os poderosos.
Como uma viúva negra, sabia armar sua teia muito bem. Era ardilosa e sabia usar da sua beleza comprada para conseguir o que queria. Criava o cenário perfeito, iludia suas presas e as descartava, como se fossem lixo. Nem todo mundo oferecia vantagem. Com os homens, era massa de manobra. Manipulável. Esquecível. Uma noite, uma semana, um mês. No fim, era sempre descartada, como se fosse uma embalagem vazia de iogurte, após ser bebida no café da manhã. Mesmo uma boa maquiagem não esconde as imperfeições da alma.
Sentia-se cada vez mais oca e sozinha, e ainda assim, não mudava seu jeito arrogante de ser. Acreditava mesmo que sua situação não era reflexo de suas atitudes, e deixou de ouvir as pessoas que ainda insistiam em ajudá-la. Era uma rainha incompreendida, cercada de súditos ignorantes.
Um dia, chegou no emprego e sentiu no ar aquele clima diferente. Ela era daquele tipo que chegava num ambiente e todos se calavam, acuados, sufocados por sua presença imponente e hostil. Hoje, apresentavam um tímido olhar de esperança e medo, típicos de um dia de guerra.
Mal sentou e foi chamada pelo chefe. Desfilando em seus saltos assinados por algum designer famoso, entrou no escritório de vidro e fechou a porta. Sentou-se de pernas cruzadas e sorriso envolvente nos lábios, e ouviu a dura notícia: estava demitida.
Todos olhavam pelas paredes envidraçadas, mas ninguém percebeu o momento em que seus olhos mostraram a tristeza e o choque da demissão. Calmamente, levantou, praguejando, em tom baixo e decidido todo o azar do mundo ao chefe e à companhia. Levantou-se, pegou a bolsa, e saiu de cabeça erguida, sem se despedir de ninguém.
Na rua, uma fina chuva caía, e enquanto os pingos se juntavam às lágrimas de Andreia, borrando sua maquiagem, ela mesma se dissolvia, e se misturava à grande massa de desempregados anônimos deste país.
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"Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que venceu, é sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu. É sobre ser abrigo e também ter morada em outros corações, e assim ter amigos contigo em todas as situações."
Maravilhoso o seu texto. Verdades nuas, cruas e tocantes. Certamente um espelho da superficialidade que habita muitos humanos, até que o pano caia e o senário se desnude.
ResponderExcluirParabéns
Rosamares da Maia