Bip... Bip...Bip...
Acordei com aquele
barulhinho irritante na cabeça e uma ardência esquisita no braço. Abri os olhos
e tudo estava escuro. Por que será que apaguei as luzes? E que barulho era
aquele?
Tentei me mexer e a
ardência aumentou. Aquilo era uma agulha? Forcei a mente pra tentar se lembrar
do que tinha acontecido nas últimas horas, e como resposta, tive um borrão. Não
havia nada do que se lembrar.
Então articulei algumas
palavras, e o som foi praticamente inaudível. Meu Deus, será que estou morto?
Tentei novamente e nada além do que um sussurro escapou de meus lábios. Ninguém
me disse que morrer era tão doloroso. Minha cabeça latejava atrás de respostas,
e meu braço ardia violentamente. Decidi então esperar o que aconteceria, já que
eu não podia falar e nem me mexer, e aquela sensação estranha dentro de mim não
ia embora.
Minutos – que na verdade
pareceram horas – depois, alguém estava chamando meu nome. Abri novamente os
olhos, e não vi ninguém, e então, a realidade me atingiu como um soco na cara:
o acidente!
Comecei a me debater,
desesperado, e mãos mais fortes me seguraram. Eu já não ouvia mais o que
diziam. Meu braço ardeu mais ainda, e segundos depois, eu estava num estado
letárgico. Acordado, porém imobilizado e lento. Com certeza, me deram um
‘sossega-leão’. Assustado demais para dormir, tentei me lembrar daquela
noite... e nada. O que será que tinha acontecido?
Escutei uma voz conhecida
me chamando. Era a minha mãe. Não consegui vê-la, mas senti seu toque em meu
braço, e seu beijo em minha testa. Senti a lágrima que caiu sobre meu rosto, e
se juntou a minha própria lágrima. Eu havia começado a chorar. Não precisei de
palavras para entender a extensão de meu problema. Meus olhos, antes tão
coloridos e cheios de vida, nunca mais voltariam a enxergar. Com palavras
doces, ela tentou me dizer o que já não era mais segredo. Eu havia, no
acidente, perdido a visão. Havia também quebrado algumas costelas e uma perna.
Parece que um motorista, bêbado, cruzou a pista e veio de encontro ao meu carro,
me arremessando pra longe. Minha mãe dizia que eu havia tido sorte. Sorte?
Porra, estou cego!
Mergulhei num silêncio
profundo, que era para combinar com a escuridão em que eu me encontrava. A
visão, pra quem nasceu enxergando, é algo muito difícil de perder. Ninguém se
imagina cego. Refleti, pelos longos dias que se arrastaram no hospital, sobre a
minha vida a partir daquele dia. Um dependente completo. Será que não teria
sido melhor perder a vida de uma vez, do que vê-la escapando de seus dedos
lentamente? Raiva pulsava em minhas veias.
E o tão temido dia,
chegou: eu estava de alta. Ir pra casa, e encarar o breu que seria a minha
“vida normal” não me agradava nem um pouco. Mas a vida, meus caros, a vida tem
esse quê de impressionante, que nos faz de tolos por achar que controlamos
algo. A vida segue o seu rumo, sem perguntar o quê e nem pra quê. No momento em
que pisei fora do hospital e senti o vento batendo em meus cabelos, no instante
em que respirei aquele ar cheirando à primavera – e eu sei o quanto isso tudo é
clichê – eu senti que deveria sim ter vivido. Que toda aquela raiva e angústia
em meu peito (afinal, eu era um cara responsável, e estava sofrendo as
consequências de um ato imbecil de um monstro que bebeu e dirigiu) iriam
passar.
Resolvi levantar a cabeça
e aceitar o que viesse, mesmo sabendo que o que viria, não seria fácil, e nem
doce. Aceitar é a primeira forma de vencer, e eu, nasci pra ser um vencedor.
Segui em frente.
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"Everything that kills me makes me feel alive"
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