segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Escuridão

Bip... Bip...Bip...

Acordei com aquele barulhinho irritante na cabeça e uma ardência esquisita no braço. Abri os olhos e tudo estava escuro. Por que será que apaguei as luzes? E que barulho era aquele?
Tentei me mexer e a ardência aumentou. Aquilo era uma agulha? Forcei a mente pra tentar se lembrar do que tinha acontecido nas últimas horas, e como resposta, tive um borrão. Não havia nada do que se lembrar.

Então articulei algumas palavras, e o som foi praticamente inaudível. Meu Deus, será que estou morto? Tentei novamente e nada além do que um sussurro escapou de meus lábios. Ninguém me disse que morrer era tão doloroso. Minha cabeça latejava atrás de respostas, e meu braço ardia violentamente. Decidi então esperar o que aconteceria, já que eu não podia falar e nem me mexer, e aquela sensação estranha dentro de mim não ia embora.

Minutos – que na verdade pareceram horas – depois, alguém estava chamando meu nome. Abri novamente os olhos, e não vi ninguém, e então, a realidade me atingiu como um soco na cara: o acidente!

Comecei a me debater, desesperado, e mãos mais fortes me seguraram. Eu já não ouvia mais o que diziam. Meu braço ardeu mais ainda, e segundos depois, eu estava num estado letárgico. Acordado, porém imobilizado e lento. Com certeza, me deram um ‘sossega-leão’. Assustado demais para dormir, tentei me lembrar daquela noite... e nada. O que será que tinha acontecido?

Escutei uma voz conhecida me chamando. Era a minha mãe. Não consegui vê-la, mas senti seu toque em meu braço, e seu beijo em minha testa. Senti a lágrima que caiu sobre meu rosto, e se juntou a minha própria lágrima. Eu havia começado a chorar. Não precisei de palavras para entender a extensão de meu problema. Meus olhos, antes tão coloridos e cheios de vida, nunca mais voltariam a enxergar. Com palavras doces, ela tentou me dizer o que já não era mais segredo. Eu havia, no acidente, perdido a visão. Havia também quebrado algumas costelas e uma perna. Parece que um motorista, bêbado, cruzou a pista e veio de encontro ao meu carro, me arremessando pra longe. Minha mãe dizia que eu havia tido sorte. Sorte? Porra, estou cego!

Mergulhei num silêncio profundo, que era para combinar com a escuridão em que eu me encontrava. A visão, pra quem nasceu enxergando, é algo muito difícil de perder. Ninguém se imagina cego. Refleti, pelos longos dias que se arrastaram no hospital, sobre a minha vida a partir daquele dia. Um dependente completo. Será que não teria sido melhor perder a vida de uma vez, do que vê-la escapando de seus dedos lentamente? Raiva pulsava em minhas veias.

E o tão temido dia, chegou: eu estava de alta. Ir pra casa, e encarar o breu que seria a minha “vida normal” não me agradava nem um pouco. Mas a vida, meus caros, a vida tem esse quê de impressionante, que nos faz de tolos por achar que controlamos algo. A vida segue o seu rumo, sem perguntar o quê e nem pra quê. No momento em que pisei fora do hospital e senti o vento batendo em meus cabelos, no instante em que respirei aquele ar cheirando à primavera – e eu sei o quanto isso tudo é clichê – eu senti que deveria sim ter vivido. Que toda aquela raiva e angústia em meu peito (afinal, eu era um cara responsável, e estava sofrendo as consequências de um ato imbecil de um monstro que bebeu e dirigiu) iriam passar.

Resolvi levantar a cabeça e aceitar o que viesse, mesmo sabendo que o que viria, não seria fácil, e nem doce. Aceitar é a primeira forma de vencer, e eu, nasci pra ser um vencedor.

Segui em frente.


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"Everything that kills me makes me feel alive"

Um comentário:

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