Cegueira
Janeiro passou voando
Foi como cobra que se arrasta
foi brasa acesa, queimando
Foi como fogo que se alastra
Que mata e a gente nem vê
Fevereiro foi insano
Como pio de pássaro na floresta
Como conselho de arcano
Como coração em festa
Que chega e gente nem vê
Março foi um aguaceiro
De chuva e de lágrima
Que lava o céu inteiro
Um banho de lástima
Que encharca e a gente nem vê
E abril passou sem graça
tal como vento
tal como rio que passa
tal como o tempo
que morre e a gente nem vê.
Maio foi de ressaca
De rosto que amassa
De boca que resseca
De sono que não cessa
Que castiga e a gente nem vê
Junho foi escuro
Tipo treva, tipo breu
Tipo planejar o futuro
Tipo abismo, tipo eu
Que me escondo e a gente nem vê
Julho foi chumbo
Foi pesado como bala de canhão
Foi ver do poço, o fundo
Foi desgovernar na contramão
Que destrói e a gente nem vê
Agosto foi desgosto
E perdoe-me pelo clichê
E perdoe a ruga em meu rosto
É o sofrimento a me envelhecer
Que entristece e a gente nem vê
Setembro foi flor em botão
Que a gente tem medo de regar
Que a gente guarda no coração
Que a gente tem medo de estragar
Que desabrocha e a gente nem vê
Outubro foi raio de sol
E sua luz amena e pálida
E seu lume de farol
E sua beleza cálida
Que aquece e a gente nem vê
Novembro foi calor
Daqueles que esquentam
Daqueles de doce torpor
Daqueles de suam
Que queima e a gente nem vê
Dezembro foi verão
De céu e de mar azul
De pura imensidão
Do nosso corpo nu
Se amando e a gente nem vê
Sei lá, sei lá... a vida é uma grande ilusão...
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